A nova campanha publicitária do Conar é uma verdadeira cusparada na relação entre mercado e bem-estar social
Nas últimas semanas, duas campanhas publicitárias da AlmapBBDO para o Conar têm ocupado a TV aberta no Brasil. No vídeo "Palhaço", Peteleco, que entretém as crianças num pequeno show particular a céu aberto, é acusado de apologia à violência e ao desperdício de água. Em "Feijoada", um casal de clientes bombardeia o garçom de um restaurante com acusações bisonhas de segregação racial e sexismo por causa da disposição dos alimentos na mesa: "Desculpa, mas eu não entendi por que você separou o arroz e o feijão. Por acaso você é a favor da segregação? E a couve, que é o único alimento feminino do prato? Tem o arroz, o feijão, o torresminho; isso é machismo, sabia?"
Criado na esteira do III Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1978, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária é o único veículo que regulamenta a propaganda no país, através de um código ético base abaixo transcrito:
- todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país,
- deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais,
- deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor,
- deve respeitar o princípio da leal concorrência e
- deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta.
O grande problema deste conselho é que a regulamentação do conteúdo publicitário disparado nos meios de comunicação está concentrada basicamente nas mãos da própria publicidade. O "Infância Livre" tem uma relação interesse da sua composição:
Presidente: Gilberto C. Leifert - Diretor da Central Globo de Relações com o Mercado. Foi diretor da MPM Propaganda e da agência de relações governamentais Semprel.
1º Vice-Presidente: Geraldo Alonso Filho - Responsável pela vinda da Publicis ao país, sendo seu Latin America Regional Chairman. Tem larga atuação nas entidades representativas das agências de publicidade, seja na Abap, seja na ABMRA e também no Cenp e ESPM.
2º Vice-Presidente: Eduardo Bernstein - Diretor de Marketing na BRF para Carnes e Margarinas, responsável pelas marcas Sadia e Perdigão. Atuou na Procter & Gamble como Gerente de Marketing de produtos OTC no Brasil, América Latina e Europa. Atuou também na Telefônica do Brasil, como Diretor de Marketing de clientes residenciais. Foi vice-presidente da ABA entre 2008 e 2012 e atualmente faz parte do Conselho dessa associação. Também é membro do Conselho Diretor do Instituto Verificador de Circulação, IVC.
3º Vice-Presidente: Antonio Carlos de Moura - Diretor-executivo Comercial da Folha de S.Paulo, onde trabalha desde 1982, sendo o responsável pela área de comercialização publicitária de todos os jornais do grupo e também do UOL, à frente de uma equipe de 250 pessoas. Moura tem atuação marcante também noCenp, entidade da qual é um dos fundadores.
VP Executivo: Edney G. Narchi - Ocupou a diretoria da Assessoria de Relações Governamentais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
Diretor de Assuntos Legais: João Luiz Faria Netto - Na Rede Globo, foi assessor da Superintendência Comercial e da Presidência e mais tarde responsável pela área jurídica da emissora. Foi diretor executivo da Associação Nacional de Jornais.
Diretor: Fernando Portela - Em 1989, criou e dirigiu a gerência de Comunicação da Fiat do Brasil, holding do grupo no País, voltando depois para o Grupo Estado, onde se tornou diretor adjunto do Jornal da Tarde, cargo que ocupou até meados de 2005, quando fundou a Loqüi Editora. Lá, cuida da coleção Repórter Especial em parceria com outras editoras.
Diretor: Dorian Taterka - É presidente da Taterka Comunicações e proprietário da TVC – Televisão e Cinema Ltda.
Ainda temos o Conselho Superior, que é formado por:
ABA – Associação Brasileira de Anunciantes
ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
ANER – Associação Nacional de Editores de Revistas
ANJ – Associação Nacional de Jornais
ABAP – Associação Brasileira de Agências de Publicidade
CENTRAL DE OUTDOOR
No conselho de ética da entidade, apenas 19 pessoas representam a sociedade civil, dentre eles, seis jornalistas, três advogados e apenas um médico, enquanto as outras 136 pessoas representam anunciantes ou veículos de comunicação.
33 - Representantes da Associação Brasileira de Anunciantes
16 - Representantes da Associação Brasileira de Agências de Publicidade
17 - Representantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
13 - Representantes da Associação Nacional de Editores de Revistas
16 - Representantes da Associação Nacional de Jornais
3 - Representantes da Central de Outdoor
14 - Representantes das Associações de Propaganda
5 - Televisão por Assinatura
4 - Mídia Interativa
4 - Mídia Cinema
11 - Representantes dos Profissionais de Criação
Dirigido por Estela Renner, o documentário "Criança, a alma do negócio" abordou de maneira enfática a tenebrosa relação entre a publicidade e o público infantil no país. A legislação sobre o tema é bastante vaga e diz que não é permitida nenhuma propaganda que se aproveite da falta de julgamento das crianças para vender. E como é o próprio Conar quem decide se houve a violação ou não, o resultado não poderia ser outro senão um mercado bilionário que tem as crianças como alvo indiscriminado e, certamente, muito lucrativo.
O vídeo de Renner é de 2008, mas os números já eram alarmantes neste período: mp3/mp4/iPod são os presentes que as meninas mais gostariam de ganhar no dia das crianças, seguidos por dinheiro vivo. Entre os meninos a preferência é o videogame e o dinheiro está também em segundo lugar. 48% das crianças das classes A e B têm aparelho celular.
De acordo com o IBGE, a criança brasileira é a que mais assiste TV no mundo: são, em média, 4 horas, 51 minutos e 19 segundos por dia em frente ao aparelho. Em 2006, a ANVISA alertou que 80% de toda a publicidade de alimentos dirigida às crianças é de alimentos calóricos, com alto teor de açúcar e gordura, além de muito pobres em nutrientes.
Na Suécia, é proibida a publicidade para menores de 12 anos antes das 21 horas. Na Inglaterra, não se pode veicular propaganda de qualquer gênero alimentício com alto teor de gordura, açúcar e sal para menores de 16 anos. Nos EUA, está proibido o merchandising testemunhal para produtos direcionados ao universo infantil. A Alemanha, por sua vez, proíbe que a programação infantil seja interrompida por anúncios publicitários, algo como também no Canadá. A Dinamarca foi além e, ainda, veta marketing para crianças 5 minutos antes e 5 minutos depois dos programas destinados ao público desta faixa etária. A Holanda não permite qualquer tipo de propaganda para crianças menores de 12 anos.
Atualmente, o mercado infantil movimenta mais de 50 bilhões de reais por ano. Atenção para o semblante eufórico da âncora do Jornal Hoje ao afirmar que o mercado infantil no Brasil não para de crescer. De acordo com dados do IBGE, a progressão é de 14% ao ano.
Se não é capaz de entender os limites do mercado publicitário par crianças, o Conar também não foi para perceber os abusos da campanha da Nova Schin quando fez uma veiculação "bem-humorada" de homens invisíveis que atacam meninas que se trocam dentro de uma cabana. Interpelado por uma série de denúncias, o conselho regulatório recusou o pedido de retirada do comercial. As reclamações? "Excessos", como os ridicularizados nas últimas duas semanas pelo órgão.
O Conar também debochou diante de um recurso do Instituto Alana, que denunciava a veiculação de propaganda do McDonalds durante a exibição do filme infantil "Rio". Em resposta, referiu-se ao Alana como uma bruxa que não gosta de criancinhas. Em 2011, um editorial da Folha de S. Paulo sustentou que a tramitação de um projeto de lei que proíba propaganda infantil que tramita na Câmara “representa uma medida demasiado extrema para conter desvios que a sociedade brasileira já equaciona de modo aceitável”.
Enquanto isso, o Estado dorme. Tanto quanto nos "excessos" das reclamações sobre incentivo de Sheherazade aos justiceiros do Flamengo, vindas daqueles que já se ligaram que, muito embora os veículos de comunicação sejam, de fato, privados, a concessão do seu uso é pública e, portanto, de interesse coletivo. Para o Conar, no entanto, piada com estupro e adultização de crianças ocupam papel harmonioso neste jogo onde o importante é vender. É a danilogentilização da propaganda.
Enquanto isso, o Estado dorme. Tanto quanto nos "excessos" das reclamações sobre incentivo de Sheherazade aos justiceiros do Flamengo, vindas daqueles que já se ligaram que, muito embora os veículos de comunicação sejam, de fato, privados, a concessão do seu uso é pública e, portanto, de interesse coletivo. Para o Conar, no entanto, piada com estupro e adultização de crianças ocupam papel harmonioso neste jogo onde o importante é vender. É a danilogentilização da propaganda.
Mais do que desrespeitosa, a campanha do Conar sobre "os excessos" nas denúncias contra os abusos da publicidade simplesmente escancara a sua verdadeira função no mercado, que é o de arrancar os freios do seu crescimento, independentemente de quem pague o preço por isso. Ele que não vai.
Abraços,
Murilo
Nossa, eu achei esse anúncio tão interessante, principalmente esse da feijoada. A moça parece aquelas feministas que procuram "machismo" ou "sexismo" em tudo. É uma crítica, de certa forma, ao politicamente correto.
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